Entrega

Entrega. Acho este um daqueles conceitos excecionais. Entrega-te a quem tu amas e entrega-te ao que fazes. Dá o salto.

Há um escritor (kudos para quem o adivinhar), a quem tenho uma estima muito grande, que escreveu que devemos abrir as janelas do nosso quarto e deixar o vento varrer o pó e o bolor. E claro que o resultado não seria nada mais nada menos que a total destruição do quarto. Aliada dum sentimento de liberdade certamente. 

Encontras liberdade mas também encontras destruído tudo aquilo que te dava confiança e segurança. Afinal de contas, não se pode ter tudo am I right? É bom ter isto em mente às vezes. Especialmente quando nos vamos aventurar em algo novo. E é aí que a diversão começa. Quando nos aventuramos em algo novo. Aí, por vezes, não ter nada em mente acaba por ser mais interessante. Enfim. Não ter nada na mente é a melhor solução. 

A entrega passa por isso mesmo. Pela abdicação da nossa segurança interior e exterior. A entrega é olhares para aqueles 100kg diante de ti e fazeres o deadlift na mesma sem saberes se vais ter força para tal. A entrega é olhares para o riacho diante de ti e ires a correr, saltando por cima dele. Entrega é olhares para os olhos de quem amas e saberes, ali mesmo, que estás no sítio certo e tudo parece alinhado. Mesmo que dure apenas cinco segundos. Já é qualquer coisa. Já é especial.

Escrevi uma vez num poema:
Varreu o vento em todo o quarto
Levou-me tudo que de querido tinha
Destruiu a mobília, apagou as luzes
Na escuridão acendi um fogo.

Saltei do precipicio da aceitação
Mergulhei no vazio da entrega
Agora sou livre enquanto voo.
Nas águas tumultuosas eu caio.

Chamei-lhe Ardi. Ardi porque me senti que tinha ardido. Ardi porque nessa altura entreguei-me ao que sentia. Ao queria fazer. Queimou. Queimou como nada tinha queimado. Mas afinal, na escuridão acendemos um fogo. No nosso interior brilha uma chama que nos incentiva a ir mais longe. É um certo clamar do coração que nos pede que levemos o nosso sonho a outros mares. É uma urgência que nos incentiva a abandonar o que sabemos nesta busca por algo que sentimos mas não percebemos.

É amar. Seja amar alguém ou amar o que se faz. O valor está lá. O valor está na entrega ao que o coração diz que é certo. E o certo acho que só cada um poderá saber por si mesmo. O que para mim é, para ti certamente não o é. E isso é normal. Isso faz parte. Isso é aceitável. Faz parte da nossa experiência humana. A incompreensão perante o que o outro vê e a sua incompreensão para o que brilha dentro de nós. 

E olhando para mim, aquele ser confuso e perdido nesta experiência que é a vida, vejo sonhos. Vejo vontades e vejo ideias. Para mim o mundo gira em torno das músicas que toco, das palavras que escrevo e das aventuras que tomo. É que afinal, essas aventuras não seriam o mesmo sem as quedas, sem o frio, sem a loucura e sem as feridas após horas a lutar e a esfolar-me por pedras ou árvores. E sem isso, o meu mundo cairia em pedaços.  

Keep it real. Keep it simple. 

É preciso entrega. É preciso estarmos em sintonia com o que sentimos e com o que fazemos. Com o que queremos e com o que dizemos. Ao que está dentro de nós não conseguimos, nunca, virar as costas. Fugir é  impensável. Mais vale aceitar e viver. Por isso. Entrega-te ao que fazes com toda a tua alma. Entrega-te ao que gostavas de fazer com toda a tua intenção. 

Não sou capaz de repetir isto o número de vezes suficientes. O sonho, momentâneo, de cada um.. É seu! É individual! Partilhado, pode sempre ser. Mas alguma vez coletivo? Duvido. Igual? Duvido. Com a mesma receita? Duvido. Cada caso é um caso, por assim dizer, e cabe a cada um de nós entregar-se da maneira que acha mais sensata.

Afinal. A melhor maneira de atravessar um riacho acaba por ser apenas correr e saltar como se não houvesse amanha. O que certamente não há. Ou não tem de haver. O que interessa, agora, está diante dos teus olhos. 

Entrega-te. Atravessa o Rubicão. 


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